O Despertar do Monstro

Jardim

OBRIGADA! O Indagoo foi o primeiro passo de uma longa e intensa jornada! Inúmeras pessoas participaram das mais diferentes maneiras desse projeto e é impossível de descrever a imensa gratidão que sinto por cada um de vocês. Vocês são as gotas d’água, os raios de sol, os grãos de solo que fizeram este jardim chamado Indagoo florescer.

Eu gostaria de ter atualizado o blog com mais frequência para compartilhar com todos esta trajetória que começou em Varsóvia, Polônia, onde uma overdose de informação some o complexo, delicado e caótico mundo da Ação Humanitária quase me sufocou. Na Holanda, a exigência e rigor acadêmico da universidade quase me fizeram acreditar que eu não era capaz de concluir esta pós-graduação. Terminei o semestre com uma recuperação em Direito Internacional. No fim, passei, ufs! O segundo semestre foi na gelada Irlanda, onde encaixar as longas horas de trabalho num restaurante espanhol com as aulas e todas as leituras e trabalhos que tínhamos de fazer me fizeram pensar que a exaustão e stress me consumiriam todinha. Terminei o semestre, sem nenhuma recuperação. Agora só faltava o estágio e a monografia.

Durante todo este período, uma besta adormecida dentro de mim se espreguiçava ameaçando acordar novamente. Doía, mas passava. Aprendi a ignorar os pequenos indícios de sua existência.

Consegui um estágio na IOM (International Organization for Migration), pouco tempo depois esta besta que me acompanha como uma sombra acordou de seu sono furiosa e quase me derrubou, novamente. Desta vez, os médicos desvendaram seu nome: Lupus. Um rótulo pesado, uma carga difícil de carregar… resolvi rebatizar o monstro de Godofredo, assusta menos! Concluí o estágio, mas decidi deixar a monografia para o ano que vem, e concentrar minhas energias no preparo de um bom sonífero para o Godô, para que ele adormeça novamente.

Este monstro é meu, só meu. E quando temos a chance de enfrentar monstros, aprendemos muito, sobre nós mesmos, sobre o mundo, sobre a vida, sobre o que realmente importa. Tenho duas escolhas: deixar o guloso do Godofredo me engolir ou aprender com ele. Decidi aprender… as lições nem sempre são claras, os testes são desafiadores, certamente ficarei de recuperação em algumas matérias, mas no fim, vou passar de ano e darei uma suculenta maçã ao professor.

Essa é apenas uma descrição superficial e enxuta de todo o emaranhado de aprendizados, pessoas incríveis, experiências lindas, complexas e intensas que vivi no último ano e agradeço mais uma vez a todos que fizeram parte desta trajetória. Gratidão!

A Ilha com Casebres de Ouro!

O semestre em Groningen, Holanda, acabou num piscar de olhos. Tudo foi tão rápido e intenso. Já estou com saudade do meu quartinho pequeno, mas aconchegante; da minha bike usada; do Mobi (nosso peixinho dourado); dos amigos que deixaram os dias cinzentos e gelados mais coloridos e acolhedores; da Gertrudes, nossa aranha que vivia na janela da cozinha e devorou marido no outono; e até dos três pequeninos holandeses endiabrados de quem eu tomava conta.

Cheguei na ilha, assustadora ilha! Assustadora talvez porque toda mudança que nos obriga a sair de nossa zona de conforto assusta, incomoda, mas também inspira.

No início, eu tentei conseguir um canto para morar em troca de trabalho. Tentei Helpex, Woofing, mensagens no Facebook e até entrei em contato com igrejas. Um dos padres publicou meu anúncio no jornalzinho semanal da igreja e outro colocou um anúncio no mural … tudo em vão! Fiquei alguns bons dias dormindo na sala da casa de uns amigos.

O grande problema aqui sãos altos valores de aluguel … no início, cheguei a pensar que as casas eram feitas de ouro maciço, depois descobri que os preços abusivos foram causados por uma bolha imobiliária que explodiu há pouco tempo e inundou a ilha com valores estupidamente altos. Acreditem (ou não), só para dar um ideia do absurdo: a média do valor para alugar um quarto duplo é de 1.200 reais POR CAMA cada mês. Sim, você entendeu corretamente, aqui paga-se 1.200 reais de aluguel para dividir o quarto com outra pessoa e a casa com outras tantas. No final, eu vim parar numa casa de estudantes, uma espécie de hostel em Dun Laoghaire.

Dun Laoghaire

Agora, colocando as minhas coloridas lentes de otimismo… não dá tempo de me sentir só no hostel, sempre encontro alguém para jogar conversa fora (mesmo quando eu QUERO ficar só); meu quarto é quentinho (algo muito valioso quando a sensação térmica do lado de fora é de 5 graus negativos), durmo na parte de cima do beliche (lugar muito disputado com o meu irmão quando éramos criança), Dun Laoghaire é uma simpática cidade litorânea e para chegar até a universidade levo apenas 30 minutos pedalando (um luxo se compararmos aos padrões paulistanos de transporte público e trânsito desumanos)… um verdadeiro desbunde, não?

GRRRoningen

Groningen… é aí onde vou morar pelos próximos meses. Para dizer o nome da cidade holandesa como um verdadeiro holandês, é preciso raspar a garganta e produzir um ruído grutal para pronunciar o ‘Grr’, como se estivesse enjoado prestes a vomitar (contra indicado após refeições).

Confesso que apesar do nome bruto, GGRRRoningen é um cidade simpática com casinhas típicas holandesas, cortada por canais e pontes que se movem para dar passagem a barcos o que, junto com alguns outros fatores, é uma das causas dos meus atrasos.

Sim! As pontes se movem e a Universidade também. Às vezes, tenho a impressão de que Groningen é uma cidade mágica onde casas e prédios ganham vida durante a noite e perambulam por aí. A Universidade, por exemplo, muda todo dia de lugar, pois nunca consigo encontrá-la logo de cara. Minha casa também, especialmente em noites frias e dias chuvosos. O pior é que não consigo pedir ajuda pois até agora não sei pronunciar o nome da rua onde moro (muito menos escrevê-la!). Como vocês já devem ter percebido, preciso urgentemente do apoio de uma fonoaudióloga … e de um GPS.

Os habitantes 

Além de Maria, argentina, e Anja, holandesa, divido a casa com um peixinho dourado chamado Mobi, que deve estar deprimido, pois ultimamente tem tentado suicídio por asfixia toda noite. Também tem a Gertrudes, nossa aranha que vive na janela da cozinha. Filomeno, seu marido, também costumava viver lá com ela, mas infelizmente ele deve ter aprontado alguma (como a maioria dos homens) e na semana passada a Gertrudes o comeu, ela mal consegue engatinhar pela teia de tão gorda!

Groningen Groningen Gertrudes Casa

Meu amigo Chopin, estou estressada!

Está dada a largada e e o curso em Ação Humanitária começa na Universidade de Varsóvia (a mesma onde Frédéric Chopin estudou). No grande auditório cerca de 140 alunos de diferentes cantos do mundo ouvem atentamente palestrantes de organizações como Médicos sem fronteiras (MSF), Cruz Vermelha, Organização das Nações Unidas (ONU), entre outros, explicando diferentes aspectos do mundo das “Ações Humanitárias”, que, por sinal, não é tão bonito e altruísta quanto é pintado por aí … neste campo também existe corrupção, interesses políticos e intermináveis dilemas éticos e morais.

A grande massa dos alunos é europeia eu sou a única brasileira e alguns estudantes de países mais exóticos como Bangladesh, Jordânia ou Malawi pipocam aqui e acolá.

Cansada. As aulas duram o dia todo, são super interessantes, mas ainda assim, uma overdose de informação. Além disso, a cabeça a mil com diversas preocupações: onde vou morar? (eu ainda não encontrei acomodação na Holanda, onde se desenrolarão os próximos 5 meses de curso), como vou pagar o curso e o custo de vida? (com o indagoo e algumas economias consegui pagar a primeira – de três – parcelas do curso e consigo me bancar por alguns meses, mas e depois?), será que consigo algum emprego por lá mesmo sem falar a língua e sem ter permissão de trabalho? E se eu adoecer novamente? Será que vou dar conta de alcançar as notas e ser aprovada numa instituição europeia conhecida por ser rígida? … e a longa lista de incertezas e preocupações segue e o nível de stress alcança as alturas e saracoteia embalado pela melodia de Chopin… tralararaRARAadrindrindrin… (transcrição da melodia ao fundo dos pensamentos).

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Recapitulando!

Sabe aquela retrospectiva no final do ano? … É mais ou menos isso que farei já que estou um tanto atrasada com os meus posts.

Depois de dois anos reencontro o Davide e a sensação era de que havíamos tomado um café juntos ontem mesmo. Me despeço do Hobbit. Carregamos as malas até a casa do amigo, um italiano charmoso. Conversa, piquenique no parque. Chuva. Conversa. Ele me entrega uma carta (em italiano) com duas notas de euro … comprando uma foto do projeto Indagoo … uma foto que ainda não tirei: “eu quero a foto que você fizer durante a sua primeira missão humanitária depois que você se formar!”. Abraço. Lágrima. Conversa. Conversa. Conversa. Voltamos para a casa do amigo italiano. Conversa. Elaboração do plano de ataque para chegar de madrugada no aeroporto. Conversa. Quatro horas de sono mal dormido. Vou chacoalhando na traseira da bicicleta de Davide pelas ruelas escuras e geladas de Bruxelas até a estação de ônibus. Abraço. Ônibus. Aeroporto. Avião. Varsóvia.

Estátua num canto qualquer de Varsóvia.

Couchsurfing no apartamento de um casal Polaco super bacana. Ela, designer de jóia (sua última coleção foi baseada em insetos). Ele, gerente de uma empresa. No meio da sala um poste metálico. Ela pratica pole dance. Conversa. Vodca polaca com picles. Bom! Ingressos gratuitos para uma apresentação com diversos grupos polacos de música e performance. Alegria. Dentista. Que saco!

Primeira Doação!

Olá! Gostaria de anunciar a primeira doação do Indagoo.

Acabamos de contribuir com o equivalente a 300 reais para a Agência da ONU para Refugiados.

O número de pessoas obrigadas a deixar seus lares e buscar refúgio em outros países ou em outras regiões de seu próprio país já ultrapassa o número de 50 milhões, em 2014. Devido a desastres naturais e conflitos, como o da Síria, este número tende a aumentar. A Agência da ONU para Refugiados é um dos atores globais executando ações para proteger e prestar assistência a estas vítimas.

Conforme as vendas de fotos Indagoo forem se desenrolando, mais doações serão realizadas! 🙂

Obrigada a todos que contribuíram com o Indagoo!

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A logística louca de uma viagem barata … e um reencontro

Para poder ir ao curso intensivo de introdução em Ação Humanitária na Polônia – onde estudantes de outras seis universidades europeias se reuniriam para assistir às aulas -, eu tive de encontrar um lugar seguro para deixar minhas malas em Bruxelas, assim poderia pegar um voo barato (15 euros) para Varsóvia, onde só é permitido levar uma mala de mão pequena.

Percorrendo mentalmente minha lista de amigos tropecei em lembranças de momentos que compartilhei com um amigo italiano que conheci num vilarejo no norte da Índia. Não o via havia mais de dois anos e não tinha certeza se ainda vivia na Bélgica.

… A Lembrança

Uma amiga húngara e eu estávamos fazendo trekking nas montanhas do Himalaia, no meio do caminho ela não se sentiu bem, decidimos voltar para o vilarejo ao invés de acampar na beira do rio. Naquela noite, acordei assustada de um pesadelo … o mundo desabava em água do lado de fora. Na manhã seguinte, descobrimos que uma enchente havia engolido diversos vilarejos ao redor incluindo parte deste onde nos encontrávamos. Se tivéssemos acampado na beira do rio, também teríamos sido engolidas pelas águas lamacentas.

Foi lá, isolados em Leh pela enchente que destruíra todas as vias de acesso ao vilarejo, que conheci Davide. Trabalhávamos como voluntários … o primeiro dia escavávamos lama fedorenta misturada com detritos de fossos destruídos pela inundação em busca de corpos e, se tivéssemos sorte, de sobreviventes. Indianos, estrangeiros e militares trabalhavam juntos numa massa colorida, desorganizada, mas unida.

Meses depois o encontrei novamente em Pequim … ele estava comigo quando eu fazia malabarismo tentando tirar uma foto com pouca luz sem tripé. E o esforço para tirar esta foto valeu a pena, pois esta é a foto mais vendida aqui no Indagoo! …

Foto P2 - China 2010

Foto P2 – China 2010

Anos depois, agora na Bélgica, ele subia a rua com aquele mesmo andar despreocupado e um sorriso infantil no rosto.

Um pouco mais sobre o Hobbit

Harold, meu host do couchsurfing em Bruxelas (veja o post anterior), viveu um ano no Congo trabalhando como professor, mas foi expulso da escola onde lecionava por trazer para debate em sala de aula a questão da corrupção no país – três filhos de ministros eram seus alunos. Seu pai é um importante cartunista belga e no fundo de seu flat ele planta morangos (eu comia um fresquinho toda manhã!).

Eu sentia como se estivesse visitando um velho amigo! Fui com ele na casa da cunhada num dia, tomar café com seus amigos no outro e de noite caminhávamos sem destino pelas ruelas do bairro conversando sobre política e banalidades da vida!

Fiquei três dias em Bruxelas … um lugar que me fascinava quando eu era pirralha, pois eu lá dentro da minha caixola sonhadora e infantil eu imaginava Bruxelas como uma cidade muito antiga, onde bruxas gordinhas com chapéis pontudos caminhavam por ruas estreitas de paralelepípedos gastos entre casebres com paredes cor de ocre e com chaminés cuspindo fumaça branca.

O Couchsurfing

Talvez algumas pessoas tenham pensado: “Que legal, então couchsurfing é para arrumar acomodação gratuíta por aí?!”. Não! É muito mais do que isso … é a incrível oportunidade de conhecer pessoas interessantes com vieses de mundo tão ricos e diferentes, de compartilhar, de aprender a se adaptar, de vivenciar um lugar através do ponto de vista de um local …

Além disso, este movimento de receber desconhecidos em sua casa no intuito de ajudar e compartilhar renova minha fé na humanidade. Apesar de os telejornais nos apresentarem um mundo violento e perigoso, eu me deparo com muita beleza na vida real (apesar de enfrentar alguns perrengues aqui e acolá!).